Dedo na ferida sobre passado, presente e futuro do racismo

Ainda sobre o Dia da Mulher Negra, Latino Americana e Caribenha, comemorado no dia 25 de julho, fizemos uma entrevista com Kelly Quirino,  bancária do BB, eleita para o Conselho de Administração do banco, que também é Jornalista, Professora Universitária, Mestre e Doutora em Comunicação para conversar sobre racismo e discriminação. 

“Acredito que minha eleição abre caminho para outras mulheres pretas poderem ser conselheiras. Sei do papel que as minhas ancestrais tiverem na construção deste país. Sei o lugar que as mulheres são colocadas, e as mulheres negras são colocadas neste país em um lugar de serviço, da subalternidade”, refletiu ainda.

Leia a entrevista abaixo:

Federa-RJ: Kelly, como você avalia a política de inclusão de negros nos bancos privados e públicos?

Kelly: Historicamente os bancos privados não contratavam pessoas pretas. Os bancos privados começam a admitir a partir de uma ação do Ministério Público do Trabalho, no final dos anos noventa, que apontava o sistema bancário como racista. A partir disso, alguns bancos, como o Bradesco, começam a contratar, mas de forma muito tímida. 

Os bancos públicos sempre foram através de concurso. Mas só depois das cotas, em 2003, que pessoas negras conseguiram ser aprovadas. Historicamente, sabemos que a população negra sempre teve muito mais dificuldade de terminar os estudos, inclusive o ensino médio, porque a maioria começa a trabalhar muito cedo. Por isso, mesmo com a lei, ainda era muito pequena a incidência de negros trabalhando nas agências.

A realidade passa a mudar nos bancos públicos, a partir de 2014, com a lei federal que coloca vinte por cento de cotas raciais no serviço público. 

Federa-RJ: Existe cota para negras e negros em bancos públicos? Como esse assunto é tratado e como deveria ser?

Kelly: Sim, a lei 12.990, reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos. 

No Banco do Brasil, o concurso de 2020, do total aprovado, 40% eram pessoas negras. No concurso de agora, 2023, este percentual se manteve. Ou seja, do jeito que as coisas estão acontecendo, talvez nos próximos anos, a gente consiga ter no corpo funcional do Banco do Brasil 50% de pessoas negras.

Federa-RJ: A situação do racismo na Espanha vivida pelo jogador Vinícius Júnior fez o Santander cancelar o patrocínio do campeonato La Liga, mas qual a política que o banco deveria adotar, de fato, para combater o racismo?

Kelly: Só cancelar o patrocínio da La Liga não resolve a questão do racismo na Espanha.  Se observar a história, a Espanha é um país colonizador, um país que chegou nas Américas e promoveu um genocídio dos povos originários. Tem região das Américas que não tem traço nenhum de população indígena, como o Caribe, por exemplo. 

Eu acho que a Espanha tinha que se retratar contra esse genocídio que cometeu contra esses povos, tinha que pagar indenização as pessoas descendentes de indígenas e negras por todo esse processo.

No caso do Banco Santander, ele realmente tem que ter políticas efetivas de ações afirmativas, o que não acontece hoje. Ainda é muito rara a entrada de pessoas negras para trabalhar nas agências aqui no Brasil. 

Federa-RJ: Como o Conselho de Administração dos funcionários do BB vem atuando para combater o preconceito?

Kelly: O Conselho de Administração é uma eficiência máxima de governança. Nós temos oito conselheiros e a administração atual, tem realmente muito claro, que é importante ter política de diversidade no Banco do Brasil, o que hoje não acontece. 

Este é o principal tema que está em debate, por isso foi criado um grupo pra discutir as questões da diversidade. Várias pessoas estão trabalhando pra entender como a situação de cada grupo historicamente excluído está.  

Foi criado também, um comitê consultivo com representante da sociedade civil para ajudar o banco nessa construção. A primeira reunião que teve foi em julho, e contou com a participação de vários representantes do LGBTQIAPN+ e a gente vai ter vários encontros até o final do ano. Teve também um programa de executivos, e que ficou muito claro essa questão de ter mais mulheres, pessoas pretas aprovadas. Outra preocupação também é olhar o mercado. 

Ficou muito claro que o Banco do Brasil não domina isso e não tem uma política de diversidade que combata realmente o preconceito. Então, paralelamente, fomos ao mercado de trabalho pra ver o que a gente vai conseguir implementar internamente.  

As coisas ainda estão começando, a gente ainda não tem nada em definitivo, mas pelo menos já começou a desenvolver ações para mudar essa realidade. Mas sabemos que ainda tem muita coisa a ser feita.

Federa-RJ: Qual a sua orientação para bancárias e bancários que estejam sofrendo preconceito?

Kelly: O racismo no Brasil é tão perverso que o professor Emérito da USP, Kabengele Munanga fala que é o crime perfeito aqui no Brasil.  Hoje temos falado até de Bornaud racial, que é todo o esgotamento mental por conta do racismo. Porque uma pessoa negra geralmente tem que trabalhar três, quatro vezes mais que qualquer um. Inclusive as mulheres negras a gente está mais sobrecarregada. A gente não só trabalha no banco, e inclusive é mais mal remunerada.

Isso gera um esgotamento mental. Sem falar que o racismo é pernicioso, vai atrás de você no mercado. Te cobra mais. Inclusive no dia a dia, com coisas simples, como andar sempre bem vestida e arrumada. É tanta cobrança, por causa dessa estrutura, que hoje o professor Silvio Almeida fala que as mulheres precisam realmente de apoio psicológico. É necessário criar mecanismos, para não adoecer por conta do racismo. 

Agora tem a questão realmente do preconceito direto. E o preconceito é crime. Então, fiquem atentas, se um gerente ou alguém cometer um crime contra uma pessoa preta, seja pela cor, pelo turbante, pelo cabelo que usa, isso é crime.

A vítima tem que denunciar pra polícia e tem que abrir um processo administrativo. Esse ano, o presidente Lula colocou a injúria racial como crime inafiançável como o racismo. Então agora é um crime que não paga fiança. Mas ainda assim é bem complicado.

Por isso, eu acho, que cada vez mais, a gente precisa se unir como um quilombo, para se fortalecer, se ajudar. O coletivo te dá forças para lutar contra o racismo, contra o preconceito. Então, meu conselho é: se unam, para coletivamente erradicar o racismo.

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